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CAMONIANAS 3

Amor, com a esperança já perdida
o teu sagrado templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.
Que queres mais de mim que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cures de forçar-me que não sei
tornar a entrar onde não há saída.
Vês aqui a alma, a vida e a esperança,
despojos doces do meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro.
Neles podes tomar de mim vingança:
e, se ainda não estás de mim vingado,
contenta-te com as lágrimas que choro.
Luiz de Camões

    CAMONIANA 3.01

    • Amor, com a esperança já perdida
      Pelo que sofro falta pouco eu morra;
      Não te tendo não há quem me socorra
      Nem motivo que dê sustento à vida.
    • Amor, sem ilusão que dê guarida,
      Sou escravo da sorte na masmorra,
      Pois sem ti, nem tenho minh'alma forra
      Minha vida é uma extinta jazida.
    • Amor, eu te preciso do meu lado,
      Acompanhando meu corpo e minh'alma,
      Sustentando meu destino e sua sina.
    • Amor, serás sempre meu mais cantado,
      Como aquele que minha sede acalma,
      Meu veio inesgotável desta mina.
    • Belo Horizonte, 12 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.02

    • O teu sagrado templo visitei;
      E que doçuras d'ânimo senti
      Que odor do seio exala, vem de ti
      Perfume dum altar, um deus, ou rei.
    • E delícias supremas eu achei,
      Em teu regaço breve que já vi
      Entreaberto dizendo-me: É aqui,
      O lugar é direito teu por lei.
    • Ara eterna de gozo sem igual,
      Onde meu corpo dou à imolação,
      Diante da chama acesa, a famular,
    • Adoro teu sacrário sem vestal;
      Cedendo-me ao buquê da tentação,
      Retomo o suave intróito deste orar.
    • Belo Horizonte, 12 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.03

    • Por sinal do naufrágio que passei,
      Basta me ver perdida que expressão,
      Pode-se já ver quanto foi ilusão,
      Parece que me é morta toda grei.
    • Mas morto de verdade, bem que sei,
      Está só mesmo amor a tal paixão,
      De que privada a vida ele será vão;
      Posso deixar o mundo ou me ver frei.
    • Nos mares de ilusão estou, em que eu
      O que preciso agora é outra nau,
      Outro sentido certo que me guie.
    • Que perdido eras tu, destino meu,
      Não há vossa passagem a dar vau,
      Nem porto tão seguro que me fie.
    • Belo Horizonte, 16 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.04

    • Em lugar dos vestidos, pus a vida.
      Antes que me render, tomei sentido.
      Não me cobri de cinzas per partido.
      Não pedi per quartel, nem dei guarida.
    • Em vezes dos refrescos, fui à lida.
      Menos eu me retiro, estou saído.
      Se tomei santos hábitos, desvalido.
      Se votei castidade, está remida.
    • E per tua soidade quase morro,
      Mas eu recuperado não o nego:
      Por pouco me afoguei em tanta mágoa.
    • Houve quem viesse em lídimo socorro,
      Antes que m'afundasse neste pego,
      Voltei à tona, mesmo a fora d'água.
    • Belo Horizonte, 30 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.05

    • Que queres mais de mim que destruída
      Estava minha safra, podre a messe;
      Toda colheita a vida talvez desse,
      Perdera-se na fé que foi traída.
    • A seara do amor foi assi erodida,
      Perdida toda féria da quermesse,
      Posto que tudo nisso per si cesse,
      Terei minh'alma agora decaída.
    • Qualquer pendão dobrado não se apruma,
      Nem vai gerar grão fértil per semente
      Depois deste teu dano que foi sério.
    • Não terás, se quiseres, cousa alguma,
      Tudo perdi na culpa tua somente,
      Nada mais gero, o campo fica estéril.
    • Belo Horizonte, 02 de julho de 1997.

    CAMONIANA 3.06

    • Me tens a glória toda que alcancei?
      Me tens per que da vida construí?
      Ledo foi meu engano, eu não vivi,
      E nada nesse mundo edifiquei.
    • Não dei continuidade a minha grei,
      Todo fruto que tive foi per ti,
      Quando pensei crescer mais caí,
      E tudo me levaste do que sei.
    • Perdi tombado o credo que me deu
      Tua falsidade torpe, ilusão vil
      De quem ganha ao perder e não ganhar,
    • Esperança de glória num coreu
      Cantado na vingança deste ardil
      Em que eras tu imenso meu desar.
    • Belo Horizonte, 1 de abril de 1998.

    CAMONIANA 3.07

    • Não cures de forçar-me que não sei
      Que rumo dar à vida minha só,
      Nem me faças correr da forca o nó
      Que extinga os suspiros que te dei.
    • Tampouco esperes dê a ti, per lei,
      Qualquer frumento moa em minha mó,
      Que não darei per força nem per dó,
      Pois uma vez já basta o que eu errei.
    • Menos erres, descuido deste compor
      Em que nesta pena acerto a eramá,
      De meu sofrer, de tanto passo mal,
    • E meu carpir será tanto ablutor
      Quão menos pedir em teu provará;
      E o castigo, terá perdão total.
    • Belo Horizonte 6 de abril de 1998.

    CAMONIANA 3.08

    • Tornar a entrar onde não há saída.
      Teu templo, doce amor, que profano,
      O mesmo ao fim da cena, quedo o pano,
      Quero que seja meu per outra vida.
    • Que nossa lida a dois reconstruída
      Remita-me do inferno em que me dano.
      Per muito m'enganado fiquei insano,
      Desde que me deixaste, em tua partida.
    • Teu corpo, consagrado nesse mundo,
      Foi mea felicidade meu pecado,
      Mas era o paraíso nessa terra.
    • Entre o certo e o errado que confundo,
      Voltar à messe sacra, meu ceifado,
      Ribalta que me salva mas soterra.
    • Belo Horizonte, 30 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.09

    • Vês aqui a alma, a vida e a esperança,
      A teus pés muito humilde tudo atiro,
      Busco em ti renitente meu retiro,
      Mas minha prece ignoro se te alcança.
    • Vês-me a pena e a dor em sua pujança,
      A teus pés humilíssimo eu me estiro,
      Busco em ti meu contínuo mundo em giro,
      Mas minha solidão não me descansa.
    • Vês cada verso, mote e toda rima,
      A teus pés que compus humildemente,
      Busco em ti minha paz, mas tu me calas,
    • Vês-me o choro, que mudo ele te exprima,
      A teus pés, a agonia que o vate sente,
      Busco em ti minha voz, tu negas dá-las.
    • Belo Horizonte, 5 de julho de 1997.

    CAMONIANA 3.10

    • Despojos doces do meu bem passado,
      Me foram todos roubados na vida;
      E enquanto choro lágrima sofrida
      Riem-se de mim, eu pobre desgraçado.
    • Minha memória rude que é legado
      Do amor vivido em rota só de ida,
      Já não tinha que ser mais defendida,
      Sendo trilha de amor tão bem jurado.
    • Foi-me levada a parte minha amante,
      O que mais dói no saque que foi feito
      É que foi perpetrado com vileza.
    • Quem me furtou, daqui está distante,
      Nem vai restituir, não tem jeito,
      Meu amor que traído lhe despreza.
    • Ouro Preto, 7 de julho de 1997.

    CAMONIANA 3.11

    • Enquanto quis aquela que eu adoro.
      Esta foi a duração da alegria minha,
      Quando achei que a tivesse, mas não tinha,
      Compus tanto soneto mais canoro.
    • Pensei que a namorasse, não namoro,
      Perdi as rimas e a Musa assim asinha.
      Se não tiro sequer nenhuma linha,
      Que dirá compor verso tão sonoro?
    • Já que não quer me ter per seu amante
      Se não será consorte que m'alente,
      Que seja por enquanto o alimento
    • Que nutre quem amor chorando cante
      Poesia que sem cuidado se ressente
      De Musa sem amor pera frumento.
    • Belo Horizonte, 24 de setembro de 1996.

    CAMONIANA 3.12

    • Neles podes tomar de mim vingança:
      Despojos que levaste não procuro,
      Perder-te uma só vez foi demais duro
      Inda perco que mais tua mão m'alcança.
    • Tomas até o anel, nossa aliança,
      Que dás em mão de tal qual figuro,
      Em paga deste crime teu impuro
      Dá-lhe tudo que pede em má fiança.
    • Em teu saque, perdida coisa tanta,
      Mais foi tua perfídia meu engano,
      Conta na perda mor de ter orgulho.
    • Per agir e causar como farsante
      Teu modo vejo ser de um haragano,
      E te perder foi lucro e não esbulho.
    • Belo Horizonte 11 de Maio de 1998.

    CAMONIANA 3.13

    • E, se ainda não estás de mim vingado,
      Se queres mais fazer-me sofrer dores,
      Mantém teu parecer, sem meus amores,
      No rancor que te volta per meu lado.
    • E, se achas que não sofro, sou calado
      Pelo pranto de quem não crê que adores,
      Por mais juras renoves d'outras cores,
      Sou pálido, descrente, destratado.
    • Tua vingança que não te bastou ainda
      Pode ser continuada se te aproximas,
      Contra isso me defendo se possível:
    • Corro a pena nessa ode que finda
      Vertendo ódio cada uma das rimas
      Enquanto me executas vara cível.
    • Belo Horizonte 7 de maio de 1998.

    CAMONIANA 3.14

    • Contenta-te com as lágrimas que choro.
      Pera cobrir teu nome desta glória,
      Já te dei de que tudo há na memória,
      Não terás mais de mim, que te deploro.
    • Nunca meu rosto escondo e não ruboro,
      Por não dizer mais, dar um fim à história,
      Encerro aqui esta trama exortatória,
      Pois teus erros eu não tos corroboro.
    • Mas termina este enredo circulante
      De meu carpir antigo e tuas mentiras:
      Tu não mereces já que me deplore.
    • O esperar e sofrer no mesmo instante
      Findam juntos, que agora te retiras
      De minha vida, sem que mais demore.
    • Belo Horizonte, 1 de outubro de 1996.
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    Todo autor precisa de um parceiro, seu revisor de textos.

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    Keimelion - revisão de textos - há mais de dez anos revisando todo tipo de texto.

    Uma celebração camoniana

    Ângelo Oswaldo


    Quatro sonetos de Luís de Camões dão origem a 56 composições em que o poeta Públio Athayde desenvolve sugestões de cada um dos versos da significativa tetralogia.
    Tomado como primeira frase dos novos poemas, o verso do grande luso é o mote que conduz o desempenho do sonetista ouro-pretano no virtuosismo de uma delicada, difícil e audaciosa operação.
    Com domínio das artes poéticas e conhecimento atilado do estilo, vocabulário e gramática da era quinhentista, Públio Athayde celebra a admiração pela herança maior da poesia de língua portuguesa ao desdobrar, verso a verso, a emoção e o engenho do vate.
    Como num jogo de espelhos em galeria de ecos, as estrofes redimensionam o encantamento do verso camoniano, auscultando-lhe a sonoridade e mergulhando em sua paixão.
    "Agoas claras que das fontes vem", os sonetos escritos entre 1996 e 1998 revelam a erudição notável e a fina sensibilidade do autor.
    Ao evocar "despojos doces do meu bem passado", ele restabelece o culto do amor tal como ensinado pelo sacerdote supremo da alma gentil.
    Oferece-nos uma realização admirável, que rende merecida e necessária homenagem a Camões, na aurora do quinto centenário da transplantação da língua portuguesa para as terras luminosas de Pindorama.