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CAMONIANAS 1

Alegres campos, verdes arvoredos,
Camonianas de Públio Athayde
claras e frias agoas de cristal,
que em vós as debuxais ao natural
discorrendo d'altura dos rochedos!

Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual!
Sabei que, sem licença do meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E pois já me não vedes como vistes,
nem m'alegram verduras deleitosas,
nem as agoas claras que das fontes vem,

semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades do meu bem.
Luiz de Camões
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CAMONIANA 1.01

Leia as Camonianas todas
Alegres campos, verdes arvoredos,
Têm tanto vosso encanto que vos vejo;
Que tão inspiradores, de sobejo,
Trazem do olvido líricos enredos.

Perdidos em instante doce os medos,
Tanta lembrança meiga de desejo
Que teve de seu gozo aquele ensejo,
Quando tomei de vossas mãos frios dedos.

Mas tais prados agora são distantes,
Alcançar não podemos que num sonho:
Era tanta delícia a juventude,

A primeira emoção de dois infantes,
Rediviva nos versos que componho,
Mas em verdade morta, o tempo ilude.
Belo Horizonte, 14 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.02a


Claras e frias agoas de cristal,
Camões
Vertem correndo céleres d'um fio
Que morrerá na serra, antes do rio,
Lembram que vosso amor me foi fatal.

Teve a força do início sem igual,
Mas logo se tornou fonte no estio,
Finada como chama sem pavio,
Vossa paixão que tive me fez mal.

Gélida e fluida, lembra a fantasia
De vossa mão que um dia eu vos pedi,
Sem ter aceite per vossa mercê.

Eu levava amor, só em mim que trazia;
Vós, amor, m'iludistes, e perdi
A vossa fé, per juras sem porquê.
Belo Horizonte, 14 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.03


Que em vós as debuxais ao natural
Destas vistas preciosas que são tais,
Encantos e memórias tantas mais,
Que atormentam de forma sem igual!

Quadros criados pela imagem mental,
Mesmo se nos parecem ser tão reais,
Nutrem-se d'emoção que m'inspirais,
Fazendo-me, num só tempo, bem e mal.

Traço vosso sublime esboço cria,
E diante de meus olhos ele vem
Antes que a realidade o faça pó.

Iludindo-vos e a mim cada dia,
A vossa saüdade diz também:
- Não façais o retrato, tende dó.
Belo Horizonte, 27 de agosto de 1996.

CAMONIANA 1.04


Discorrendo d’altura dos rochedos!
Prometeu não abandona o percurso,
Não teme pelo fogo no seu curso.
Nem vós tenhais tampouco mais medos!

E não vos escondais entre arvoredos
Que eclipsem nosso sol em concurso,
Posto que não pareça ter recurso,
Restarão lenitivos dois remedos:

Vossa sombra vos segue surda-muda,
Mas não responde, nem entender pode
Que pena à vossa súplica se aflige.

Ou eu que vos empresto toda ajuda,
Roubo a luz que divina vos acode,
Vos imito, escuto se o amor exige.
Belo Horizonte, 28 de agosto de 1996.
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CAMONIANA 1.05

Silvestres montes, ásperos penedos,
Ressoam ecos, esperanças passadas
D’amores que, como paixões frustradas,
Nunca mais palpitam, e restam quedos.

Encosta recoberta de vinhedos
Fruticosos de uvas adocicadas
Cuja seiva, em garrafas fermentadas,
Sabe mal, sabe a fruto e mosto azedos.

Mouco sonido, vinho buchonado,
Clamor insosso de safra perdida,
Feridas exangues d’estéril serro:

Suspiro último d’um ser apaixonado
Habita o peito e castiga sua vida
Per um sentimento nascido em erro.
Belo Horizonte, 29 de agosto de 1996.

CAMONIANA 1.06


Compostos em concerto desigual!
São versos do amor vosso que vos tem,
Quem sou eu pera vós, que sois meu bem,
Um poeta só de rima passional.

Que choro amor em métrica total,
Eu em cada soneto sou ninguém,
Só o amante, d’amor sem ter a quem,
Mas terá muito breve um sim cabal.

Se vós suspirais, é um soneto meu,
Se por mim o suspiro vosso dais,
Eis de que me sufoco mais cantar:

A verve que tem fôlego nasceu,
Como agora, tão forte foi jamais,
Tanto que aceiteis, já sereis meu par.
Belo Horizonte, 29 de agosto de 1996.

CAMONIANA 1.07

Sabei que, sem licença do meu mal,
Neste deserto de minha galé,
Eu sofro em pesar, de ver-vos até,
Sois apenas ilusão sem igual.

Miragem que seria como natal,
Fosse sólida como a lembrança é,
Que de todo vos guardo em minha fé,
Mas, assi não sendo, se faz letal.

E morro, nessa ilusão que vos vê,
Sofrendo o castigo sem remissão,
De quem vos perdi, e não posso esquecer.

Mas vivo, ainda sem saber porquê,
Deixastes-m’em duna de solidão,
Como um ser irreal, menos que um não-ser.
Belo Horizonte, 2 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.08


Já não podeis fazer meus olhos ledos.
Melodias, nem cantais as afamadas;
Não m’acompanhais nunca de mãos dadas,
Privais-m’então de todos os brinquedos.

A ventura dos saudosos folguedos,
E que cantigas foram-nos caladas,
Somam réstias de vidas dedicadas
A romper os limites destes vedos.

Aos olhos não me volta antigo brilho
Sem que torneis comigo a cantar ainda;
Far-me-eis salvar ficando comigo,

Compartilhando o rumo meu por que trilho;
Pera que se reascenda luz que finda,
Olhai-m’os olhos, chamai-me d’amigo.
Belo Horizonte, 1 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.09


E pois já me não vedes como vistes,
Sendo que inda sou o mesmo que fui antes,
Os olhos que se mudam em instantes
São os vossos, já alegres, já tão tristes.

E nem me ouves como antes ouvistes,
Sendo minhas palavras tão constantes,
Sois vós que amores os tendes mutantes,
Não minto, não juro, nem faço chistes.

Inda assi digo o que sempre vos disse:
- Querei ou não, minh’alma vos namora.
Minha palavra foi per muito ouvida.

Inda vos vejo como se não visse,
Como se vos conhecesse só agora,
Ao vos ver vi a luz, vejo mea vida.
Belo Horizonte, 4 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.10

Nem m’alegram verduras deleitosas,
Ou paisagens pictóricas agrestes.
Nem m’encantam as vagas de ciprestes,
Ou bucólicas plagas tão saudosas.

Nem m’animam as flores olorosas,
Cujo perfume apenas vós tivestes.
Nem m’afastam saudades incontestes,
De ter lágrimas minhas dolorosas.

Nem m’assustam escarpas deste abismo,
De onde vejo o infinito sem sentido,
Nem m’afastam dali vossas lembranças.

Mas tanta imagem pura, o romantismo,
Nem m’espelha do corpo repartido
As mais rudes memórias, nem mais mansas.
Belo Horizonte, 4 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.11


Nem as agoas claras que das fontes vêm,
Trazem vida, perfume primaveril,
Poderão despertar coração eril
Que palpita jamais per ter alguém.

Nem a brisa soave pode também,
Mesmo lufada per Eros pueril,
Romper insano este vínculo heril
Que prende só o corpo, não o mantém.

Nem a garoa gelada, à noite fria,
Sereno impiedoso d’inverno suão,
Vai gelar mais que golpe deste olhar.

Nem o sol mudará um único dia
Desta vida de só dizer que não,
Nem a noite, nem estrelas, nem luar.
Belo Horizonte, 29 de agosto de 1996.

CAMONIANA 1.12


Semearei em vós lembranças tristes,
Tão tristes quanto minha saüdade,
De cujas memórias, em tenra idade,
Relembro a promessa de que fugistes.

Mas serão lembranças minhas que ruístes,
D’amor prometido sem ser verdade,
Em presença de dolo sem piedade
Que nem vossa indiferença remistes.

A promessa de fazer semeadura
De lembranças que nunca vos demovem
Faço agora qu’estais perto da morte;

Não vos faria noutra ocasião, criatura,
Nem daria a vós gozos que me comovem,
Outra alegria que meu sofrer comporte.

Belo Horizonte 5 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.13


Regando-vos com lágrimas saudosas,
Choro já vossa vida quase extinta
Nesta cena que rude a morte pinta,
Vosso seio imagino imerso em rosas.

Carpindo-vos lembranças gloriosas,
Temo que mais minh’alma se ressinta,
Não d’amor deste corpo, qu’é uma finta,
Mas da companhia vossa e tantas prosas.

Eu creio que ao chorar vossa partida
Sofro por vos não ter junto, por perto,
Mas eu padeço ainda, no momento,

Por saber que fôreis em minha vida,
Menos segura alegria pois, decerto,
A única que me sempre foi tromento.
Belo Horizonte, 2 de setembro de 1996.

CAMONIANA 1.14


E nascerão saudades do meu bem.
E que dores virão! Não terão fim.
E hão de sofrer desgosto tanto assim.
E que serão só dúvidas, desdém.

Nasça o que nascer, dito será amém.
Venha o que vier, será dito que sim.
Sofra o que sofrer, mesmo será assim.
Seja o que for, será o mesmo também.

Nascida a desventura que quiser,
Quando longe virei dizer de vós:
Haveis, lembranças minhas, de se haver.

Nascendo trama, dúvida qualquer,
Minha fé no melhor que pera nós
Há de ser, há de vir, há de nascer.
Belo Horizonte, 30 de agosto de 1996

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Todo autor precisa de um parceiro, seu revisor de textos.

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Keimelion - revisão de textos - há mais de dez anos revisando todo tipo de texto.

Uma celebração camoniana

Ângelo Oswaldo


Quatro sonetos de Luís de Camões dão origem a 56 composições em que o poeta Públio Athayde desenvolve sugestões de cada um dos versos da significativa tetralogia.
Tomado como primeira frase dos novos poemas, o verso do grande luso é o mote que conduz o desempenho do sonetista ouro-pretano no virtuosismo de uma delicada, difícil e audaciosa operação.
Com domínio das artes poéticas e conhecimento atilado do estilo, vocabulário e gramática da era quinhentista, Públio Athayde celebra a admiração pela herança maior da poesia de língua portuguesa ao desdobrar, verso a verso, a emoção e o engenho do vate.
Como num jogo de espelhos em galeria de ecos, as estrofes redimensionam o encantamento do verso camoniano, auscultando-lhe a sonoridade e mergulhando em sua paixão.
"Agoas claras que das fontes vem", os sonetos escritos entre 1996 e 1998 revelam a erudição notável e a fina sensibilidade do autor.
Ao evocar "despojos doces do meu bem passado", ele restabelece o culto do amor tal como ensinado pelo sacerdote supremo da alma gentil.
Oferece-nos uma realização admirável, que rende merecida e necessária homenagem a Camões, na aurora do quinto centenário da transplantação da língua portuguesa para as terras luminosas de Pindorama.